sexta-feira, 2 de outubro de 2009

HIPER REALISMO EM FORTALEZA

HÉLIO ROLA


O artista plástico Hélio Rola (Fortaleza, 1936), dentre inúmeras outras atividades, é um dos heróicos remanescentes da chamada arte postal, com a particularidade de não havê-la cultivado da maneira anódina como era praticada nos anos 70, e que logo desaguaria em um grafismo sem substância alguma. Plasticamente, Hélio deu a essa arte postal a condição de um diálogo constante com as demais técnicas (guache, xilogravura, nanquim, escultura etc.) às quais segue recorrendo para expressar sua visão de mundo. Com obra tão extensa quanto múltipla, esse artista tem exposições em países como Alemanha, Espanha, França e Estados Unidos. A presente entrevista permite uma aproximação de várias etapas de sua vida e criação, aspectos que se confundem revelando uma afortunada inquietude.

vejamos: nasci em Fortaleza em 1937 e me iniciei nas artes plásticas criança ainda quando riscava, desenhava nas calçadas da vizinhança com outras crianças. Também sofri de influência de D. Eneida, mãe de amigos meus, que desenhava, com perfeição, artistas de cinema e caras bonitas encontradas em revistas e jornais. Aquilo me fascinava e logo estava eu às voltas com o hiper-realismo. Fazia arte pública, grafites, e logo desenhos a lápis, seguidos de desenhos a tinta nanquim, guache etc. Passei então a fazer guaches combinando com tinta nanquim de cenas de meu cotidiano. Lembro-me que uma dessas tentativas era na cena habitual de nossa orla, nos fins de semana, debaixo de um grande pé de fixus-benjamin, no jogo de baralho que os adultos da orla organizavam. Esses desenhos despertavam admiração e cheguei mesmo a ganhar uns trocados fazendo retratos a lápis que melhoraram quando fui levado a visitar e conhecer Jean-Pierre Chabloz. Fiquei encantado com os desenhos de Chabloz. Meu pai era garçon de um bar-restaurante no centro da cidade, o Majestic, que também tinha cinema. Para lá iam todos - políticos, advogados, médicos etc., e também artistas. Meu pai, Antonio Rola, era amigo do poeta Sidney Neto, do cronista Caio Cid, do artista R. Kampos, dentre outros. Acho que de tanto propalar que tinha um filho pródigo, que desenhava e pintava, alguém lhe disse que me levasse para conversar com algum artista. Só me lembro que foi o Antonio Bandeira - no Salão de Abril, na antiga Assembléia, no centro da cidade - quem viu meus desenhos e me aconselhou a freqüentar a SCAP, e assim se deu. Teve até nota em jornal dizendo que o filho do garçon Antonio Rola era um artista etc. Depois da SCAP, continuei estudando, conseguindo uma bolsa de estudos de um deputado estadual por Russas (Ceará), Manuel Matoso, e fiz o ginasial e o científico no Colégio São João, um colégio de elite. Daí passei no vestibular em primeiro lugar e me formei em medicina, seis anos depois, em 1961. Entre 62 e 64, fiz pós-graduação na USP (São Paulo), e defendi tese em 66, obtendo o título de Dr. em Medicina. Voltei então para Fortaleza e me tornei professor de bioquímica na Faculdade de Medicina da UFC. Em 1967, fui para Nova York, fazer pós-doutorado, como assistente de pesquisa, no Instituto de Saúde Pública de Nova York, onde fiquei até 1970. Em meio aos afazeres científicos, um dia recebi visita de um casal que queria me conhecer por ser brasileiro, pois pretendia saber como localizar literatura sobre bandoleiros do Nordeste, especialmente Lampião. Ele, Joe Tobin, se apresentou como pintor e ela, Margareth, como escritora. Através de um tio que morava em Russas, consegui uns três livros que me foram enviados pouco tempo depois. Eles ficaram extremamente gratos, daí nascendo uma feliz amizade entre nós. Eu estava em Nova York com a família, minha esposa Efi e os filhos, André (4 anos) e Sílvia (1 ano). Por conta das conversas sobre arte, e não somente sobre ciências, retomei a emoção de minha infância e voltei às artes plásticas. O Joe Tobin me deu orientação durante um certo tempo, em seu ateliê particular na rua 14. Um velho prédio famoso por abrigar artistas ao longo do tempo. Posteriormente ele me aconselhou a procurar a pintora Agnes Hert, que era instrutora de pintura na Art Students League, e que também tinha ateliê no mesmo prédio. Tratei então de me matricular ali. Estudava aos sábados, a tarde inteira. Passei a freqüentar museus e galerias, muitas vezes acompanhado de minha instrutora, uma excelente pessoa, com aproximadamente uns 50 anos. Ao final de minha estadia em Nova York fiz uma exposição em nosso apartamento. Tiramos todos os móveis do lugar e os trancamos em um quarto. De repente, havia ali uma galeria funcionando. Algumas coisas foram vendidas. Ainda em Nova York, fui influenciado por um amigo brasileiro que me iniciou em fotografia, que foi extremamente oportuno e importante para mim, em meu fazer artístico.



Eu e minha família começamos a pintar muros na Praia de Iracema, bairro onde morávamos, para acabar com o lixão que existia na esquina da rua Potiguares com Tremembés. Muitos amigos participaram das pinturas que aconteciam nos finais de semana, inclusive o Sérgio Pinheiro. Anos depois, em 1987, quando de nosso retorno de Paris, Sérgio e eu, é que ele teve a idéia de organizar um grupo de artistas para pintar muros, inicialmente apenas no mesmo bairro. Daí surgiu o Grupo Aranha, que era formado por mim, Sérgio Pinheiro, Eduardo Eloy, Kazume e Alano de Freitas, dentre outros. O grupo não era fechado e nem sempre tinha a mesma composição nas performances. O ateliê, depósito de tintas e material de pintura, era na minha casa. É claro que conciliar essa diversidade de artistas não foi tão simples. Primeiro começamos pintando cada um a sua coisa. Dividíamos o muro em quatro partes iguais (democracia?) e cada um pintava a sua. O resultado, apesar do lado a lado, era um painel de individualidades. Depois evoluímos, passando a pintar todos o projeto de alguém. Pintamos o muro de uma mercearia seguindo um projeto de Kazume. Lembro-me que o Eduardo Eloy estava no Uruguai e não participou, mas teve seu retrato incluído na pintura. Bom, a evolução veio por conta dele mesmo, Eloy, que defendia uma pintura solta/ação, que envolvesse a todos. Como nesses termos eu já me entendia com ele - havíamos pintado a quatro mãos em outra oportunidade -, fiquei entusiasmado. O tipo de pintura daí surgida, revelava uma diluição de autoria e fazia com que afluísse um autor coletivo. Havia resistência por parte dos demais, que temiam - segundo penso - que aquela maneira de pintar viria a afetar sua própria arte. Os murais na Praia de Iracema deram o que falar. Como fazíamos carga contra a poluição sonora e a ocupação indevida dos espaços urbanos - tendo isto coincidido com o movimento SOS Iracema -, passamos a ser notícia nos jornais locais, enquanto sofríamos as retaliações do mercantilismo corrosivo (travestido de turismo) que ali se implantava. Uma dessas pinturas, em um dos muros do bairro, em frente ao atual bar Bicho Papão, foi desfigurada, na calada da noite, pelo proprietário de outro bar, que se achou injustiçado e agredido pelo mural. Como você vê, a pintura, as artes plásticas, pela primeira vez aqui entre nós se tornava uma prática artística explicitamente revolucionária (?), que denunciava com arte agressões sofridas pelo bairro.

SITE: http://heliorola.sites.uol.com.br/